Confissões sobre Marketing Ágil

Era fevereiro de 2013. Ainda não havíamos perdido de 7 a 1 para a Alemanha, e tudo parecia caminhar bem. Eu trabalhava em uma empresa de educação corporativa e tinha acabado de assumir a liderança do time de marketing. Só que eu não era um cara de marketing.

Apesar de já haver trabalhado no design de algumas marcas e conhecer bem o mercado e o negócio (razões que me levaram a ser convidado para o marketing), eu comecei a estudar marketing pra valer havia pouco tempo. Mas não era um momento qualquer.

Globalmente, o marketing de conteúdo estava ganhando corpo, junto à ascensão das redes sociais. Facebook havia comprado o Instagram há menos de um ano, e o LinkedIn se posicionava cada vez mais como uma plataforma de networking e conteúdo profissional, e não uma rede de currículos online.

Do nosso lado, tínhamos uma boa assessoria de imprensa, especialistas prontos a compartilhar seu conhecimento e uma sede de crescimento. Assim, conteúdo se tornou elemento-chave da nossa estratégia. Tudo giraria em torno da produção e publicação constante de conteúdos consistentes e relevantes para o nosso público.

Bom, essa era a parte que me deixava confortável. Até ali, eu já havia passado bons anos como designer de conteúdo para educação. Mas foi estudando sobre o tema que me deparei com algo novo para mim: o marketing ágil.

Na verdade, o ágil não era exatamente novo. Nos anos 2000, as formas digitais de produção do conhecimento imprimiam uma nova velocidade. O movimento ágil ganhou corpo aí, como um contraponto ao gerenciamento de projetos no modelo cascata, em que as idas e vindas levavam a situações no mínimo desagradáveis. Noites mal dormidas. Jogos de culpa. Prazos furados. Aquelas frustrações da quebra de expectativas, quando a realidade insiste em se sobrepor ao planejado.

O modelo ágil é, na verdade, um conjunto de métodos em que se destaca o Scrum. Mas inclui também Kanban, Lean e outros. Do Scrum, boa parte dos praticantes herdou os princípios, papéis e, principalmente, rituais. Você já deve ter ouvido falar neles, e talvez já tenha até aplicado um ou outro:

  • Sprints: iterações curtas e rápidas durante o projeto, geralmente de poucos dias;
  • Reuniões diárias (Stand-up Meetings): reuniões curtas, de poucos minutos, para analisar o progresso e identificar obstáculos;
  • Revisões (reviews): revisões informais do trabalho no final de um sprint, antes de seguir em frente para o próximo;
  • Retrospectivas (meu favorito): revisão formal no final de um projeto para refletir sobre o que aconteceu durante as iterações e identificar ações para melhorias futuras.

Eu ainda não sabia tão bem por que a proposta do ágil era boa, mas parecia boa. Dava uma sensação de liberdade, autonomia e, principalmente, velocidade. Trazia à tona o prazer da descoberta. De quebrar silos. Dava a oportunidade de exercitar a curiosidade científica em pleno trabalho.

Estudei o tema e tratei de apresentar a novidade ao time.

O que é marketing ágil?

Podemos definir marketing ágil como um modelo de atuação em marketing baseado em iterações rápidas entre a leitura do mercado e a execução de marketing, por meio da colaboração entre os integrantes de um time multifuncional. Isso permite uma adaptação rápida a mudanças no comportamento do cliente, no ambiente tecnológico (alguém disse algoritmo?) e competitivo.

A equipe de marketing ágil

Na época, já contávamos com uma equipe enxuta e multifuncional. Mas a ideia do marketing ágil abria a possibilidade de integrar membros de outros times da empresa para desafios específicos. Como, por exemplo, uma ação de marketing para uma conta estratégica, em uma época em que o termo ABM (Account-Based Marketing) ainda era bem pouco falado. Nesses casos, agilidade e qualidade da entrega podem gerar impactos significativos no negócio.

Mas o grande potencial do marketing ágil acontece quando formamos times interfuncionais. Pessoas de outras áreas da empresa, com conhecimentos sobre pesquisa, produto, finanças, vendas, design e engenharia, reunidas em torno de uma missão comum. Cada um traz consigo diferentes habilidades, experiências, heurísticas e talentos diversos.

Kathleen Schaub, no livro Marketing in the (Great, Big, Messy) Real World, destaca 6 práticas para times interfuncionais, que trago a seguir com minhas próprias observações, complementos e interpretações.

Orientar-se para uma missão em torno do desafio do cliente:

Isso implica conhecer em detalhes os desafios que o seu cliente está tentando superar. Na época fizemos isso com base nas pesquisas que realizávamos junto aos clientes e nos inputs do time de vendas. Somente mais tarde eu viria a conhecer a prática do JTBD (job-to-be-done), uma forma sistemática de capturar necessidades que passou a se fazer parte de todos os meus projetos de consultoria.

As equipes de marketing ágil devem ajudar a organização a se mover em torno desse desafio do cliente.

Introduzir estruturas organizacionais mais maleáveis

Estabelecer papéis é bem diferente de posição ou título, ambos não precisam estar vinculados. Papéis descrevem responsabilidades em projetos específicos e podem ser criados e descontinuados de acordo com a necessidade de cada projeto. Alguém que atue como editor de conteúdos pode muito bem assumir o papel de redator em um projeto específico, por exemplo.

Compartilhar responsabilidades

Uma vez que os desafios do cliente sejam conhecidos, é mais fácil estruturar os processos para dar mais autonomia a quem estiver mais próximo aos clientes, com risco reduzido. Quando as pessoas estão cientes da sua responsabilidade e prestam contas sobre suas ações, se preocupam mais em fazer o que é correto.

Integrar de verdade (não parar no alinhamento)

Alinhar a organização em torno dos desafios do cliente é importante, mas não deve parar por aí. Em ambientes de negócios mais competitivos, em que um número cada vez maior de habilidades é exigido, a integração em times interfuncionais (ou squads) supera o alinhamento das equipes formais.

Além disso, o ganho de ampliar as interações na empresa vai além de um projeto específico, pois ajuda a desbloquear a circulação de informação.

Apoiar os times interfuncionais

Por mais que um time interfuncional integre múltiplas habilidades, é comum que precise do apoio das áreas funcionais. Líderes da organização devem estar atentos às necessidades desses times para o cumprimento das suas respectivas missões e devem aprender a gerenciar as atividades das suas áreas de acordo.

Por vezes, nem as competências da organização serão o suficiente. Nessas horas, incorporar apoio externo à empresa (como agências, consultorias e outros fornecedores) será bem-vindo.

Alimentar conexões e pontes

As relações são mais importantes do que cada papel individualmente, mas costumamos dar muito menos importância a elas. Alguns tipos de conformação funcionam melhor do que outros. É importante evitar equipes com mais de 5 pessoas, ou menos de 3. Grupos grandes tendem a dispersar e formar subgrupos, enquanto pares podem deixar a conversa superficial ou facilmente se desviar.

Times de três pessoas garantem diversidade suficiente sem dificultar a tomada de decisão ou a manutenção da proximidade entre os participantes. Especialmente se pudermos variar experiências nesses trios, tendo uma pessoa mais velha, uma mais nova e outra de idade intermediária. Isso tende a equilibrar diferentes visões sobre um determinado problema.

O que implementamos

Sim, eu estudei e tratei de apresentar ao time. Mas como dizem, na prática a teoria é outra. Aqui, compartilho com você parte da apresentação que fiz ao time, o que implementamos e o que funcionou de fato.

Stand-Up Meetings (diárias)

Basicamente, eram reuniões diárias que aconteciam pela manhã. Nesse ritual matinal, cada um deveria se levantar e contar a todos:

  • O que fez
  • O que eu estará fazendo no dia
  • O que está lhe travando

Na prática, não foi bem aceito. As pessoas chegavam afobadas e encaravam aquilo como uma obrigação desnecessária. Queriam mais é se livrar logo do rito para começar a trabalhar. Em períodos de maior intensidade, um ou outro pedia para não participar porque tinha coisas mais importantes a fazer. Eliminamos esse ritual e, sinceramente, não fez falta. Mas mantínhamos o alinhamento com um painel no Trello.

Fazer é melhor do que não fazer

Estabelecer essa ideia deu trabalho, mas funcionou bem. O problema maior aqui é habituar todos a entender que a frequência é mais importante que a perfeição.

Isso implica em:

  • Direcionamento para a ação
  • Valor para o cliente
  • O mínimo viável (entendendo há critérios mínimos, restringidos principalmente pelos desafios do cliente)

Melhor do que tentar convencer alguém a mudar é mostrar que funciona. Assim, após os primeiros resultados, todos já estavam habituados com a nova rotina. Porque funcionava.

Iteração e Melhorias

Aqui vale o ciclo Construir > Aferir > Aprender. Não custa repetir: você não é perfeito, mas tudo bem. Claro que, para isso funcionar, é preciso tolerância ao erro. Errar rápido, errar barato, mas nunca cometer duas vezes o mesmo erro.

Na prática, isso requer guidelines muito bem definidas. Perfil de público e seus desafios. Mercado de atuação (onde jogar bem definido). Logotipo, símbolo, tagline, tipografia, cores institucionais, elementos de apoio. Personalidade da marca, tom de voz, linguagem fotográfica… Todas essas restrições ajudam a delimitar o terreno das possibilidades e potencializar o que pode ser feito.

Nisso, o time foi primoroso: soube inovar mostrando ao público a nossa mensagem, com a nossa cara. Desenvolvemos um calendário editorial robusto, cravejado com palestrantes internacionais. Produzimos incessantemente ilustrações, infográficos, entrevistas, artigos, vídeos. Cada período, um tema. Cada tema, finalizado com a palestra de um grande nome no assunto. Engajamos público e funcionários, promovendo ações nas redes a cada evento.

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O que conseguimos

Esse ano e o seguinte foram trabalhosos, mas trouxeram resultados admiráveis. Na época fomos convidados pelo LinkedIn a apresentar o case de crescimento da marca na rede – mais de 6.000 novos seguidores em 3 meses, de quase 2.000 empresas diferentes.

Os negócios também não decepcionaram. A receita da empresa crescia a olhos vistos, junto com a aquisição de novos clientes. E crescendo, precisávamos também atrair talentos.

Então, com uma equipe interfuncional enxuta em parceria com a área de Gestão de Pessoas, seguimos as guidelines de marca para desenvolver a página da empresa no LinkedIn. Conforme crescíamos – e contratávamos – era importante estabelecer também uma marca empregadora consistente.

Nessa época, o LinkedIn ainda media o Talent Brand Index, estabelecido pela razão entre o engajamento da marca (número de pessoas que engajam com a marca) e o alcance da marca (número de membros alcançados). Chegamos à impressionante marca de 35% então.


Claro, seria tolice atribuir esse resultado a um único fator. O mercado estava em crescimento. Tive o prazer de contar com uma equipe muito capaz e apoio da direção. A empresa, por sua vez, também tinha em seu quadro profissionais de ponta: alguns deles, hoje, líderes e referências em suas áreas de atuação.

O que fizemos foi estabelecer alguns limitadores flexíveis para que a criatividade do time e suas capacidades aflorassem. Mas era minha primeira experiência como gestor de marketing, e não fiz isso sem estresse. Confesso até que errei bastante, inclusive repetindo alguns erros.

Eu hoje penso que deveria ter envolvido o time no próprio entendimento do que significaria aquela mudança. Trazido cada um para participar das decisões sobre como trabalharíamos, trazer suas experiências, entender o que faria mais sentido aplicar e pedir ao menos a abertura para sondar o que poderia ou não funcionar. Mas eu fui mais impositivo do que deveria, o que vai contra a própria ideia do movimento. Hoje, faria um tanto diferente.

O caminho pode até não ter sido fácil, mas posso dizer que foi prazeroso. Um verdadeiro laboratório de marketing.

E o que fica nisso tudo não é cargo, título, papel ou case. Fica o aprendizado. E aprendizado não é consumo de informação. É vivência. É descobrir que resistir à mudança é muito menos proveitoso do que fazer dela o seu ponto de apoio para decolar.