Todos (ou quase todos) queremos cooperar
Aprendemos a cooperar ainda cedo.
Com poucos meses de idade, sorrimos ao reconhecer nossos pais. Um pouco mais adiante, começamos a compartilhar nossos brinquedos e nossa comida até mesmo com estranhos.
Dizer que nascemos para cooperar seria exagerado. Mas seja qual for o motivo pelo qual vivemos, ajudar o outro torna o caminho muito mais agradável. Principalmente diante da complexidade do mundo, onde não sabemos o que vem adiante.
Eventualmente, podemos até sentir que estamos no extremo oposto da cooperação. A competição pela nossa atenção nos joga iscas o tempo todo: tragédias, sensacionalismos, anormalidades. Os holofotes da mídia miram os absurdos.
Enquanto o público olha embasbacado para esse palco, nós, marqueteiros e vendedores profissionais, muitas vezes alimentamos a narrativa para aumentar as vendas.
Assim, apresentamos retratos de uma realidade dura seguidos de promessas de uma vida melhor, de um trabalho melhor, de qualquer coisa melhor. Ainda que sequer desconfiemos do que seja realmente o melhor para o público.
Em comum, a urgência: é preciso mudar agora. Sem tempo para pensar, eles acabarão por clicar, ou entrar na loja, ou aderir ao plano, ou assinar o serviço, ou comprar o produto. Ciclo encerrado, obrigado pela preferência e boa sorte com o atendimento ao cliente.
São essas as ferramentas do marketing genérico. E embora muitos vendedores b2b (business-to-business) ainda insistam em táticas assim, isso raramente termina bem em uma venda complexa.
Mas vendas complexas e vendas b2b são a mesma coisa?
Embora a maior parte das transações realizadas por empresas (b2b – business-to-business) sejam complexas, a rigor elas não são exatamente a mesma coisa. As vendas complexas trazem um escopo mais amplo, e podem incluir vendas em que os compradores não representam, necessariamente, uma organização. Como, por exemplo na venda de grandes valores, como imóveis ou automóveis.
Da mesma forma, há casos em que uma venda corporativa pode ser simples. É o caso de compras pequenas, onde uma única pessoa decide: refeições, um pequeno item de escritório para uma emergência, ou até mesmo um cartão de aniversário comprado em cima da hora para homenagear um funcionário.
Também podemos considerar que vendas b2b para pequenos negócios são muito menos complexas e, nesses casos, possuem características híbridas: nem tão simples quanto vendas de itens de escritório, mas nem tão complexas quanto vendas para grandes corporações.
O que nos interessa aqui é a venda complexa realizada entre médias e grandes empresas, ou seja, vendas b2b complexas (que alguns chamam de corporate). Mas para pouparmos o seu tempo e a sua paciência, usamos vendas complexas e vendas b2b de forma intercalada, neste texto e em outros aqui no blog, com essa intenção.
Há muito mais interlocutores nas vendas complexas
Uma venda complexa envolve muitos interlocutores. No decorrer desse longo processo, é comum conversarmos com diversos profissionais da empresa cliente, que assumem cada qual um papel diferente no processo de compra. Nesse universo, podemos considerar, pelo menos, um beneficiário do produto ou serviço, um comprador financeiro e um profissional da área cujo desafio deverá ser superado com a ajuda do produto ou serviço adquirido. Isso sem contar outros envolvidos com maior ou menor poder de influenciar a decisão de compra.
Ainda que esses papeis possam se sobrepor, o número de pessoas envolvidas em uma venda complexa raramente se resume a três. Um estudo da Gartner revela que, normalmente, um vendedor corporativo deverá passar por grupos de compras de 6 a 10 profissionais com diferentes fragmentos de informação, algumas vezes incongruentes entre si. Eventualmente, tais grupos tendem a crescer conforme o processo avança.
Pense nas propostas que você apresentou nos últimos 3 meses: o número de interlocutores aumentava ou diminuía enquanto você avançava na venda?
Vendas complexas envolvem quantidades muito maiores
A venda complexa não traz só mais pessoas para a conversa, mas geralmente trata de quantidades muito maiores.
Enquanto na venda simples são comercializadas pequenas quantidades, na venda complexa são negociadas grandes quantidades. Seja de horas de trabalho, de unidades, de peso ou de volume.
Vendas complexas requerem preços muito mais altos
Como trata de quantidades muito maiores, os valores comercializados também serão, naturalmente, muito mais altos.
Enquanto na venda simples os preços tendem a ser na casa das unidades, centenas ou milhares de reais, na venda complexa costumam partir das dezenas de milhares, podendo chegar às centenas de milhares, aos milhões ou até mesmo aos bilhões.
Os riscos envolvidos nas vendas complexas são muito maiores
E além de tudo o que já foi dito, a venda complexa envolve um risco alto. Enquanto, na venda simples, os prejuízos com a aquisição de um produto inadequado raramente ultrapassam o custo do produto, o custo de uma venda complexa pode ser muito maior que o valor pago pelo produto que não entrega o prometido.
Pense em um fabricante de computadores especializado no público gamer que contrata um fornecedor de placas gráficas. Ou imagine uma empresa de alimentos que pretende lançar uma nova linha de congelados e busca um fornecedor de embalagens apropriado. Ou, ainda, procure vislumbrar uma empresa de aviação que esteja expandindo sua malha aérea e precise de novas aeronaves.
Agora, procure avaliar o tamanho dos riscos que cada uma dessas empresas está correndo ao contratar um fornecedor que não dê conta de cumprir o prometido.
E é aí que a nossa natureza cooperativa fala mais alto. Se os riscos são altos, e os potenciais ganhos também, é preciso haver cooperação.
Lidando com a complexidade
Assumindo o lugar de decisores, nos damos conta de que somos cognitivamente incapazes de processar toda a informação disponível. Mas, se por um lado, não somos capazes de reduzir a complexidade inerente à realidade atual, podemos aprender a lidar com ela.
Se há 30 anos não dispúnhamos de informação atualizada o suficiente para tomar uma boa decisão, hoje há informações demais, muitas delas conflitantes entre si. Se confiarmos na neutralidade dos dados, nos esqueceremos de que eles também são enviesados. Senão na sua coleta, no método de análise. Isolados do seu contexto, deixam muitas informações importantes de fora.
E mesmo com tanta informação disponível, boa parte dos executivos ainda desconfia dos dados que têm à mão. Um estudo conduzido pela Forrester a pedido da KPMG, em 2016, revelou que apenas 38% dos executivos confiavam nos insights obtidos sobre os dados de seus clientes. E uma proporção ainda menor (34%) confiavam nos dados de sua própria operação do negócio.
É preciso certa sabedoria para separar o sinal do ruído. O problema nem sempre está nos dados em si, mas na leitura que fazemos deles, e na sua aplicação dentro do contexto em que estamos inseridos. Às vezes, simplesmente não bate com o que sentimos bem lá no fundo do estômago. É aí que a intuição cumpre um papel importante.
Mas a nossa intuição e os dados disponíveis não são tudo com o que podemos contar. Se pensarmos assim, estaremos nos esquecendo da nossa própria natureza, da qual falamos lá atrás.
Sim, somos cooperativos: podemos pedir ajuda e assumir compromissos uns com os outros.
E, de fato, tomamos melhores decisões quando compartilhamos nossa situação com outras pessoas. Quando trazemos outras perspectivas para a mesa. Ou quando, na falta do outro, nos imaginamos sob essa outra perspectiva[1].
Assim, buscamos a experiência de alguém de fora, geralmente um especialista. E, se tudo correr bem, desenvolvemos com eles relacionamentos de confiança.
O profissional que atua em vendas complexas, precisa estar preparado para cumprir esse papel de especialista e reduzir a percepção de risco do cliente. Encarar esse cenário como se faz uma venda simples, arremessando pitches de vendas na esperança de acertar um comprador desavisado, é como ligar o sinal vermelho e esperar que o cliente siga em frente.
[1]GROSSMAN, I. Why We Give Great Advice To Others But Can’t Take it Ourselves