Posicionamento de Mercado

Um dos maiores desafios enfrentados por profissionais de marketing em mercados competitivos é o posicionamento de mercado. Porque um problema de posicionamento não é como um defeito de fabricação ou outro que você possa enxergar com os olhos.

É um tipo de inconsistência sutil, que não será evidente se você não souber do que se trata, ou se apenas se restringir à sua própria perspectiva.

Mas o seu público percebe uma diferença entre expectativa e realidade.

Pois, como veremos, posicionamento vai muito além da imagem. Sem um posicionamento sólido, suas vendas podem declinar, suas margens podem ser comprimidas, seus clientes podem sair insatisfeitos e você pode perder uma fatia importante do mercado. O valor da sua marca será prejudicado e, junto dele, seus anos de esforço em construir um negócio.

Se as consequências de um mal posicionamento são devastadoras, as recompensas de uma estratégia de posicionamento bem executada podem ser amplas. Ocupar um lugar reservado nas mentes dos compradores é privilégio de poucos.

Mas o que é posicionamento?

Diferentes autores contribuíram com a ideia de posicionamento. Para Philip Kotler, posicionamento é um esforço empreendido no sentido de colocar na mente do cliente o principal benefício e a diferenciação da sua marca, produto ou serviço.

Mas como assim, “colocar na mente”?

Influenciar mentes ou criar clientes?

A disciplina de marketing surgiu a partir da constatação dos economistas de que uma organização é capaz de influenciar seu mercado e, portanto, não estaria apenas sujeita às forças invisíveis desse mercado. Assim, o marketing se desenvolve em torno do desafio de influenciar o mercado.

Mas, subindo um degrau e assumindo uma perspectiva mais ampla, pego emprestado a fala do Peter Drucker:

“O propósito de um negócio é criar e manter um cliente.”

Oh, criar é bem diferente de influenciar. Porque pressupõe responsabilidade. Não é apenas mudar o nome e a embalagem, adotando uma história bonita (embora isso tenha seu valor e possa surtir efeitos).

Criar é assumir compromissos.

O que, por sua vez, pressupõe escolhas sobre onde atuar e como vencer. E, dentro desse último…

Como se posicionar para o seu público, em relação às demais opções do mercado.

Destaco, nas próximas linhas, quatro perspectivas sobre o assunto.

4 visões sobre estratégia de posicionamento

1.Vantagem competitiva (Porter)

O trabalho de Michael Porter é seminal. Ele identifica 3 formas de competir em um mercado:

Liderança de custo

Uma marca assume a posição de custo mais baixo da indústria, e os compradores irão ali movidos pelo preço acessível. Podemos ver como exemplo as grandes redes de varejo.

Um bom exemplo seria a CostCO, nos Estados Unidos.

Diferenciação

É o que a maior parte dos gurus de marketing promete para a sua marca, mas ela vai muito além do marketing. É preciso orquestrar as capacidades da empresa de forma única, em torno de benefícios altamente valorizados pelos clientes.

A Apple é um exemplo de diferenciação conhecido por todos.

Foco

Foco é mirar em nichos específicos. A empresa concentra sua atuação em um segmento ou grupo de segmentos em uma indústria, adotando uma estratégia de custo ou de diferenciação. O segmento deve apresentar consumidores com necessidades não usuais, ou as capacidades para atender melhor a esse grupo de clientes devem ser diferentes daquelas do restante da indústria.

Enquanto o foco em custo explora as diferenças de comportamento no grupo de consumidores segmentado, a diferenciação irá explorar as necessidades específicas não atendidas desse grupo que o mercado é incapaz de atender.

Mas vale notar alguns pontos de atenção.

Quando mais de um competidor almeja a liderança de custos, a briga acaba por canibalizar o mercado ou, em casos extremos, incentivar práticas desleais (alguém falou em Americanas?).

Estabelecer uma vantagem competitiva não é só uma questão de saber o que fazer. Alguns recursos críticos para se posicionar em determinadas indústrias são caros, e criam enormes barreiras de entrada.

Em alguns casos, uma estratégia de custos pode suceder uma estratégia de diferenciação. Primeiro, a diferenciação leva ao crescimento no mercado, e esse crescimento acaba trazendo vantagens de escala, o que levaria também a uma liderança de custos. Veremos mais adiante como algumas empresas conseguem fazer isso sem prejudicar o valor da marca.

2.As disciplinas de valor de Treacy e Wieserma

Esse framework destaca três caminhos distintos em que as empresas podem entregar valor:

Excelência operacional

Uma empresa posicionada como excelência operacional busca a otimização dos processos para fornecer produtos confiáveis a preços competitivos, com o mínimo de inconvenientes.

É como a IKEA se posiciona.

Liderança em produtos

Um posicionamento de liderança em produtos requer inovação contínua para entregar ofertas de primeira linha.

Como exemplo, podemos destacar a Apple, mais uma vez.

Intimidade com o cliente

Esse posicionamento requer a construção de relacionamentos aprofundados e entrega de soluções personalizadas.

A WAAH! é um bom exemplo aqui: todas as nossas soluções são personalizadas para o cliente. Por isso, fazemos questão de dedicar um bom tempo na investigação de necessidades.

De acordo com os autores, uma empresa deve se destacar em uma dessas disciplinas, e manter apenas níveis seguros nas outras duas. Entretanto, algumas poucas empresas conseguem dominar duas disciplinas.

Um dos exemplos é a Toyota que, partindo da excelência operacional, alcançou também a liderança em produtos.

O desafio do abismo de Geoffrey Moore

Geoffrey Moore é provavelmente mais conhecido hoje do que os autores anteriores. E realmente, seu trabalho é marcante para o setor de tecnologia.

Moore identifica 5 tipos de consumidores de acordo com os estágios no ciclo de adoção de uma nova tecnologia, como mostra a figura: inovadores, adotantes iniciais (early adoptors), maioria inicial (early majority), maioria tardia (late majority), e retardatários (laggards).

O que é crítico, segundo ele, é ultrapassar o abismo dos early adoptors.

Por isso, recomenda:

  • Foco em um segmento inicial: sua empresa deve se concentrar em um segmento bem definido da maioria precoce que tenha uma necessidade irresistível.
  • Conceito de produto completo: é preciso ir além da oferta de um produto tecnológico. Uma empresa deve oferecer a solução completa para abranger toda a experiência do cliente.
  • Diferenciação clara: você deve posicionar o produto de modo a facilitar aos potenciais clientes perceber as diferenças entre a sua solução e as alternativas do mercado. Isto ajuda a criar confiança e a reduzir o risco percebido de adoção.

A Teoria Jobs-to-Be-Done

O que eu mais gosto nesse framework é que ele muda o foco do produto para o cliente. E isso muda o jogo.

Claro, todas as abordagens anteriores consideram o cliente como peça fundamental. Mas o Tony Ulwick não faz só isso: ele parte das necessidades do cliente para desenhar a estratégia de posicionamento.

Mas por que essa teoria muda o jogo?

O foco não é o produto ou serviço, mas sim o que o cliente precisa fazer.

Segundo a teoria, alguém “contrata” um produto ou serviço para realizar um determinado trabalho (ou superar um desafio). E o cliente quer alcançar alguns resultados antes, durante e ao final desse desafio (mais detalhes do método nesse artigo).

A estratégia aqui é posicionar o produto ou serviço de acordo com os resultados que ele é capaz de entregar. Mas não estamos falando apenas de resultados funcionais…

Embora o funcional tenha papel decisivo, necessidades emocionais, sociais e até mesmo aspiracionais devem ser consideradas nesse jogo para multiplicar esse valor funcional.

Um desafio não muda ao longo do tempo

Enquanto soluções mudam, desafios permanecem. Pense em quantas formas pudemos superar o desafio de se deslocar do ponto A ao ponto B em uma cidade: cavalos, bicicletas, automóveis, bondes elétricos, trens urbanos, metrô, táxi, aplicativos de transporte…

Mudam as soluções, o desafio permanece estável no tempo.

Se uma empresa se posiciona em torno da solução, terá maior dificuldade em mover esforços quando a tecnologia evoluir. Pense no caso emblemático da Kodak, por exemplo, que apostou na solução química para a fotografia, mesmo tendo desenvolvido uma câmera digital.

Mas se os esforços de desenvolvimento ocorrem a partir de um desafio, e não de uma tecnologia, será menos provável que a empresa se prenda a uma única solução.

Assim, a competição deixa de ser em torno de funcionalidades e passa a ter foco nos resultados que o cliente pode alcançar.

Com o método ODI (Outcome-Driven Innovation), totalmente baseado na teoria jobs-to-be-done, é possível parametrizar os resultados que os clientes buscam.  Ou, em outras palavras: quantificar as necessidades.

Com base nos resultados que os clientes conseguem obter e no valor cobrado, há diferentes estratégias possíveis.

1. Estratégia Diferenciada

Abrange clientes carentes ou desassistidos que aceitam pagar mais por um produto ou serviço mais caro.

Bons exemplos desse caso são as máquinas de café Nespresso e a BMW.

2. Estratégia Dominante

Atinge todos os consumidores em um mercado com um produto melhor e mais barato em comparação à concorrência. Clientes que não consideravam esta empresa passam a fazê-lo, pois receberão a mesma solução por um custo reduzido.

Exemplos de ofertas que empregaram com sucesso uma Estratégia Dominante incluem o Google AdWords e a Netflix.

3. Estratégia Disruptiva

Quando há clientes super assistidos, as organizações que se baseiam nessa estratégia entram com soluções extremamente pontuais para resolver um desafio funcional bastante específico. Acabam entregando menos do que os concorrentes, mas também cobram menos. Com esse custo reduzido alcançam pessoas inicialmente fora do mercado, que nem consideravam adotar aquela solução.

É comum encontrarmos empresas que começam com soluções disruptivas extremamente pontuais, e que aos poucos vão agregando funcionalidades, podendo até chegar a uma Estratégia Dominante.

Um exemplo de oferta que empregou com sucesso uma estratégia disruptiva é o Google Docs (em comparação ao Microsoft Office).

4. Estratégia Destacada

Uma empresa utiliza essa estratégia quando mira uma população de clientes “restritos” com um produto que faz o trabalho pior e ainda custa mais. Essa estratégia pode funcionar em situações em que os clientes estão legalmente, fisicamente, emocionalmente ou de outra forma restritos na resolução de seus problemas — mas aquela oferta, muitas vezes, passa a ser a única opção disponível.

Exemplos de ofertas bem-sucedidas de Estratégia Destacada incluem bebidas vendidas nos últimos pontos de verificação de segurança dos aeroportos, concessões em estádios ou locais de eventos e táxis em aeroportos.

5 – Estratégia de Sustentação

Para empresas já estabelecidas no mercado. Introduzem um novo produto ou serviço que faz o trabalho apenas um pouco melhor ou mais em conta (cerca de 5%) do que a concorrência, mas que podem ajudar a aumentar ligeiramente o market share.

Há vários casos de ofertas que empregam com sucesso uma Estratégia de Sustentação. São comuns em negócios B2B, onde o risco da mudança é percebido como alto. Assim, o cliente aceita pagar um pouco mais caro em comparação com o mercado, facilitando iniciativas de Cross-Selling e Up-Selling.

Percebam como a estratégia da Google, de inserir um buscador gratuito e disruptivo em relação a outras formas de buscar informação, permitiu a introdução de uma estratégia dominante como o Google Adwords.

Hoje, com a popularização da IA Generativa, podemos ver novos modelos de negócio surgindo de forma disruptiva para, em algum tempo, dominarem seus mercados.

Como se posicionar?

A melhor estratégia de posicionamento de mercado é aquela na qual a empresa, seus clientes e o mercado concordam a respeito do valor gerado pela companhia e, naturalmente, esse valor é desejado pelos clientes. Mas chegar a esse ponto exige um trabalho minucioso e requer bastante esforço.

Eu gosto de começar reconhecendo minha ignorância e assumindo para mim mesmo: não sei o que se passa na mente do meu cliente. Então, diante da ignorância, me resta investigar.

Assim, o primeiro passo será conversar com pessoas que representam o meu público: proprietários de empresas e gestores de marketing e de vendas, do nível gerencial ao C-Level, que precisam posicionar suas empresas no mercado, por exemplo

Quantas conversas são necessárias?

Eu gosto de conversar até perceber que consegui identificar padrões coerentes, que esses padrões estão se repetindo e não há mais muita novidade a cada nova entrevista. Geralmente, isso acontece em torno da oitava ou décima conversa. O resultado é um mapa das necessidades dos meus clientes — o Job Map.

Existe um passo adicional aqui: a quantificação. As necessidades levantadas darão lugar a um questionário a ser enviado a uma amostra maior, onde eu conseguirei descobrir as necessidades mais importantes, o quanto esse público está sendo bem atendido em cada uma delas, e o quanto estaria disposto a pagar para resolver cada necessidade.

Claro, essa é uma excelente oportunidade de descobrir que outras soluções o cliente tem adotado, e então cruzar com a informação sobre o quanto ele está sendo bem atendido.

Analisando essas informações graficamente, é possível visualizar onde estarão as oportunidades de posicionamento no mercado, e trabalhar as mensagens que reforcem esse posicionamento, em linha com o que já pensa o público.

Afinal, muito mais fácil do que mudar como as pessoas pensam é agir a partir do que elas já acreditam.

Mas, atenção…

Posicionamento é um jogo de longo prazo, que exige monitoramento constante. É preciso atenção às mudanças de mercado e abertura para não tomar nenhuma percepção do cliente como definitiva. Para isso, canais de escuta constantes com o mercado são indispensáveis.

Assim como leva tempo para que a percepção do cliente sobre o seu pocicionamento se reflita na receita, também leva muito tempo para mudar uma percepção indesejada.

Referências:

https://hbr.org/1993/01/customer-intimacy-and-other-value-disciplines

https://www.ifm.eng.cam.ac.uk/research/dstools/porters-generic-competitive-strategies

https://geoffreyamoore.com/positioning/

https://strategyn.com/outcome-driven-innovation/product-positioning/

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