Não é preciso prever o futuro para planejar sua estratégia

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Uma das agruras da liderança é a necessidade de tomarmos decisões em cenários de grande incerteza. A angústia cresce na medida em que o final de ano se aproxima e precisamos planejar o próximo – ou, como em muitos casos – os próximos anos. A antecipação é justificada pela sensação de ter um certo controle sobre esse futuro cheio de questões e incertezas: veículos autônomos, 5G, robótica, machine learning, comércio global e mercados de petróleo, apenas para citar algumas tecnologias e temas polêmicos. Frente a esse cenário, líderes de negócios precisam ter em mãos um conjunto de objetivos e estratégias orientadores que façam a ponte entre os dias atuais e o futuro da organização. Mas, como fazer isso se não possuímos o dom da clarividência? A futurista Amy Webb traz um framework alternativo às previsões lineares.

Porter já afirmava que as grandes estratégias raramente (ou talvez nunca) são desenvolvidas com base em uma previsão detalhada ou concreta do futuro. No entanto, o conforto sugerido por previsões lineares nos oferece uma certa garantia: os eventos podem ser pré-determinados, o caos pode ser contido e o sucesso pode ser planejado e garantido. Mas, obviamente, o mundo real em que vivemos é muito mais confuso. Ações regulatórias ou desastres naturais estão totalmente fora do nosso controle, enquanto outros fatores, como desenvolvimento da força de trabalho, operações e novas ideias de produtos estão sujeitos a inúmeras camadas de decisões tomadas em toda a organização. À medida que todas essas variáveis se cruzam, elas moldam o horizonte da companhia.

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Diretores de estratégia e a alta liderança responsável por escolher a direção de suas organizações são frequentemente solicitados a facilitar as reuniões sobre a visão que têm sobre o futuro da empresa. Onde queremos chegar? O que precisamos fazer para alcançar o sucesso? Como a organização irá evoluir para enfrentar os desafios no horizonte? Estas são perguntas profundas e fundamentais no planejamento estratégico a longo prazo.

Um dos problemas deste padrão é que as equipes acabam presas em um ciclo de solucionar riscos de longo prazo com soluções rígidas e de curto prazo. Times que dependem de cronogramas lineares tradicionais ficam presos a um modelo de respostas táticas para mudanças constantes causadas por forças externas. Com o tempo, essas táticas – que exigem grande esforço e alinhamento internos – drenam e vulnerabilizam os recursos da organização.

Outro problema para o planejamento estratégico em cenários incertos é quando uma empresa constrói sua proposição de valor em torno de uma solução, e não em um desafio funcional essencial. Enquanto soluções vêm e vão, um desafio funcional essencial permanece ao longo do tempo. Essa é a base do método JTBD, que já abordamos aqui. Por exemplo: deslocar-se por longas distâncias é um desafio que sempre existiu. Mas diferentes soluções surgiram ao longo do tempo, desde cavalos, lhamas ou camelos ao Uber, passando por embarcações, trens, bicicletas, automóveis e motocicletas. E poderemos contar com Hyperloop, um trem de altíssima velocidade movido a vácuo, em um futuro próximo (veja aqui como esse modelo de transporte está inovando para além do transporte em si). Na medida em que o tempo passa, proposições de valor baseadas em soluções podem se tornar obsoletas.

 

Planejamento estratégico e visão de longo prazo

Futuristas pensam sobre o tempo de maneira diferente, e estrategistas corporativos podem aprender com sua abordagem. Frente a qualquer incerteza sobre o futuro – seja risco, oportunidade ou crescimento -, tendemos a pensar a curto e a longo prazo simultaneamente. Para botar isso no papel, Amy Webb, futurista quantitativa e professora de estratégia prospectiva na New York University Stern School of Business, propõe um framework que mensura as certezas e mapeia as ações, em vez de simplesmente marcar a passagem do tempo em trimestres ou anos – o que gerou um cone de tempo.

Para cada projeto de previsão solicitado, ela constrói um cone com quatro categorias distintas: tática, estratégia, visão e evolução no nível de sistemas.

A ideia é ir trabalhando da ponta para fora do cone. Cada seção é uma abordagem estratégica, que abrange a anterior, até que você atinja uma grande evolução no nível de sistemas em sua empresa.

 

Comece pelas bordas do cone – primeiro é preciso identificar tendências e eventos altamente prováveis (dentro e fora da empresa) para os quais já existem dados ou evidências. A quantidade de tempo varia para cada projeto, organização e setor, mas geralmente 12 a 24 meses é um bom ponto de partida.

Decisões táticas e estratégia – as táticas devem se encaixar na estratégia da organização. Neste ponto do cone, temos uma quantidade menor de resultados, pois teremos que aguardar os próximos dois a cinco anos. Essa área é a mais familiar para os executivos de estratégia e suas equipes: aqui descrevemos a estratégia tradicional e a direção que a organização tomará. As ações incluem definir prioridades, alocar recursos, realizar quaisquer alterações de pessoal, redesenhar produtos ou identificar e direcionar um novo segmento de clientes, dentre outras.

É entre esses dois pontos que muitas organizações ficam paralisadas. Embora o processo possa parecer um mero planejamento para o futuro, ele resulta em um ciclo perpétuo de tentar acompanhar e alcançar concorrentes, novos players do mercado e fontes externas disruptivas.

Visão – é por isso que você deve estar disposto a aceitar mais incertezas ao recalibrar continuamente a visão de sua organização para o futuro. Afinal, a visão de uma empresa não pode incluir todos os detalhes, porque ainda existem muitas incógnitas. Líderes podem articular uma forte visão por 10 a 15 anos no futuro, mas precisam estar abertos a mudanças em sua estratégia e tática à medida que encontram novas tendências tecnológicas, eventos globais, mudanças sociais e econômicas.

Nesta categoria formulamos ações com base em como a liderança conduzirá pesquisas, onde realizará investimentos e como desenvolverá a força de trabalho que um dia precisará.

Evolução em nível de sistemas – aqui, a visão também deve se encaixar. Se os líderes não tiverem um forte senso de como sua indústria deve evoluir para enfrentar os desafios de novas tecnologias, forças de mercado, regulamentação e similares, então alguém estará em posição de ditar os termos do seu futuro.

O final do cone é muito amplo e pode ser impossível calcular a probabilidade de alguns tipos de eventos acontecerem. Portanto, as ações tomadas devem descrever a direção para onde você espera que a organização e a indústria evoluam.

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Ao contrário de uma linha do tempo tradicional, com datas e check-ins rígidos, o cone sempre progride. À medida que você obtém mais dados e evidências provenientes do avanço de suas ações, o início do cone e sua categoria tática são sempre redefinidos nos dias atuais. O resultado, idealmente, é uma organização flexível, posicionada para performar e responder continuamente a impactos externos.

 

Fonte / Referência:

How to Do Strategic Planning Like a Futurist – Harvard Business Review

MAGRETA, Joan. Entendendo Michael Porter: o guia essencial da competição e estratégia

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