Valor é uma palavra tão repetida quanto enganosa. Sabemos o que valorizamos, e até mesmo o quanto estamos dispostos a pagar por algo. Mas nem sempre sabemos o que é valor para o outro.
Em 1999, John McNeece disse:
“Se Henry Ford perguntasse às pessoas se ele deveria ou não construir um carro motorizado, elas provavelmente lhe diriam que o que realmente queriam era um cavalo mais rápido.”
Perguntar aos consumidores que solução deve ser adotada não é mesmo a melhor saída para entender o que eles valorizam. Afinal, o valor não está relacionado a uma solução em si, mas sim ao que ela representa.
Não é preciso ser um gênio da semiótica para entender que as coisas não possuem valor intrínseco, somos nós que atribuímos esse valor a elas. Assim, pagamos o preço que consideramos justo a depender do valor que atribuímos a algo no momento da compra.
Isso vale tanto para empresas b2b quanto b2c. Ao contrário do que muitos pensam, a compra b2b não é menos emocional. Ela pode até não ser feita no afã do impulso, como a compra de um sapato em promoção na vitrine. Mas o comprador corporativo também está carregado de preocupações e emoções.
Já falei aqui sobre os elementos de valor na fidelização do cliente. Hoje, vamos falar sobre os elementos de valor para o cliente b2b.
O material de base foi desenvolvido pela mesma consultoria, a Bain&Company, em um trabalho extenso e digno de referência. Nessa pirâmide de valor, são incluídos 40 elementos valorizados pelos compradores b2b, em 5 categorias: mínimo necessário, valor funcional, facilidade em fazer negócios, valor individual e valor inspiracional.
A tradução é livre.
Mínimo necessário: sem eles, você nem começa
Sem esses fatores, não tem nem começo de conversa. Um fornecedor precisa estar apto a atender especificações, praticar preços aceitáveis, seguir regulações e atender a padrões éticos básicos.
Por isso costumo dizer que “ética” não pode ser considerado diferencial. É o mínimo para que confiem que a sua empresa entregará o que promete.
Ainda assim, muitos ainda insistem em não dar o devido cuidado à reputação.
Valor funcional: o primeiro porquê
Você já deve ter assistido a algum vídeo defendendo que “as pessoas não compram o que você vende, compra o “porquê” você vende.”
Embora isso tenha funcionado para vender os livros do mesmo autor, não funciona na prática. Nenhuma empresa contrataria um fornecedor de logística que causasse prejuízos só porque assa empresa fornecedora tem um propósito bacana.
Estamos falando aqui de fatores econômicos, relacionados a aumento de receita ou redução de custo. E também de fatores de desempenho, relacionados a qualidade, escalabilidade e inovação.
Direta ou indiretamente, esses costumam ser os fatores mais importantes para qualquer comprador b2b. O vendedor que ignorá-los raramente terá sucesso na venda.
Facilidade em fazer negócios
Uma vez cumpridos os valores mínimos necessários e funcionais, entram fatores que facilitam a realização de negócios. São elementos diversos que adicionam valor a um produto ou serviço, divididos em 5 categorias: operacionais, produtividade, acesso, relacionamento e estratégico. Vamos falar de cada um deles.
Operacional
São fatores que facilitam o uso de um produto ou serviço, como organização, simplificação, conexão e integração.
Produtividade
São fatores que facilitam a execução de atividades, como informação, transparência, ganho de tempo, redução de esforço e redução de transtornos.
Acesso
Aqui, temos fatores que ampliam as capacidades do beneficiário enquanto usa um produto ou serviço, como disponibilidade, variedade e configurabilidade.
Relacionamento
Fatores de relacionamento, embora subjetivos, são essenciais em relações b2b. Incluem fit cultural, estabilidade, comprometimento, expertise e responsividade.
Estratégicos
Por último, entre fatores que indicam facilidade em fazer negócios, temos os elementos de valor estratégicos. Eles refletem a capacidade de um produto ou serviço na redução de riscos, alcance, flexibilidade e até mesmo qualidade inserida no próprio produto ou serviço do comprador.
Mas, acima, dos fatores de facilidade me fazer negócios, temos elementos um tanto mais subjetivos.
Valor Individual
Estes fatores podem parecer pouco importantes, mas muitas vezes fazem a diferença na escolha entre o seu produto ou o do seu concorrente.
Carreira
Estamos falando de elementos sociais, relacionados à expansão da rede do comprador, a assegurar a sua reputação ou a sua empregabilidade (como certificações, por exemplo).
Pessoal
Elementos de valor pessoais estão mais relacionados a design e estética, crescimento e desenvolvimento profissional, redução de ansiedade, ou lazer e benefícios.
Valor Inspiracional
No topo da pirâmide, finalmente, temos os fatores inspiracionais: responsabilidade social, esperança e visão.
Relexões sobre o modelo
No início do texto, vimos que perguntar aos consumidores que solução deve ser adotada não é o melhor caminho para entender o que eles valorizam. Por outro lado, embora a solução não seja a especialidade deles, nenhuma outra pessoa pode falar tão bem sobre determinado desafio quando é ela mesma quem o enfrenta.
Uma vez que tais valores estejam devidamente mapeados, aí sim faz sentido abordar possíveis soluções.
Por isso, concordo com McNee. Se Ford tivesse perguntado que solução queriam os consumidores, eles provavelmente diriam “cavalos mais rápidos”. Eles não entendiam muito sobre motores a combustão ou linha de montagem. Mas sabiam sim o que queriam: chegar mais rápido.
Mas no meio corporativo as coisas podem ser um pouco mais complexas.
Valor para quem? Os diferentes perfis corporativos
Em uma venda complexa há diferentes pessoas envolvidas na empresa cliente, e esse número cresce a cada ano. São múltiplos interlocutores, em diferentes áreas e níveis hierárquicos.
Podemos falar em, pelo menos, 3 papeis sob a perspectiva do valor entregue:
- Beneficiários, aqueles cujo desafio a empresa fornecedora pode resolver.
- Comprador financeiro, que possui poder de decisão para aprovar a compra.
- Áreas de apoio, que estará envolvida na operação do produto ou serviço.
Esses perfis podem ou não se sobrepor. E, além deles, podem se envolver ainda influenciadores técnicos, compradores profissionais, usuários finais, gestores de áreas impactadas, entre outros.
Quando falamos em elementos de valor, precisamos pensar em para quem estamos entregando esses valores. Por mais que o beneficiário seja o principal foco, os demais não podem ser negligenciados.
Os perigos do “quanto mais, melhor”
A lógica é essa: quanto mais desses valores forem entregues, melhor. Mas o quanto isso é factível?
Essa história se repete mais e mais. Empresas investem em soluções com o objetivo de entregar mais e mais funcionalidades, sem uma equivalência em valor para o cliente.
Mesmo quando o objetivo é entregar valor, as empresas devem saber priorizar aquilo que é mais importante para o cliente, e também mais negligenciado pelas opções que esse cliente adota, quando tenta superar o desafio em questão.
Existe uma hierarquia?
O modelo em pirâmide pode pressupor uma hierarquia, em que valores nas camadas mais básicas precisam ser atendidos para que outros também sejam. Parte da confusão envolvendo interpretações errôneas da hierarquia das necessidades de Maslow vem dessa representação.
Na prática, fatores mínimos necessários e funcionais terão maior importância. Mas cada caso é caso.
Por exemplo, alguém que nunca tenha tido problemas éticos com o seu fornecedor talvez não dê tanta importância a esse elemento de valor. Da mesma forma, uma cultura altamente competitiva e com alta rotatividade pode acabar encorajando a busca de elementos de valor individuais na compra, em detrimento de valores que talvez fossem considerados mais importantes para a organização.
Valores individuais podem até mesmo impedir a compra. É o que acontece com cerca de metade das compras corporativas. Nesses casos, compradores percebem o risco de agir como sendo maior do que o risco de não agir.
Vence o status-quo, e a mudança deixa de acontecer.
Há limites para o que valorizamos?
O modelo com os elementos de valor no marketing b2b soma um total de 40 itens. Embora abarque um grande rol de fatores, a variedade de desafios pode ser imensa.
Considere que muitos desafios corporativos irão variar conforme a indústria, a área na qual o beneficiário atua, as atribuições sob responsabilidade da sua função e, ainda, suas preocupações individuais.
Conforme proponho nesta hierarquia, que explico em detalhes no programa Vendas Complexas: como conduzir vendas de alto valor e impacto, cada um desses níveis possui desafios específicos que precisarão ser identificados por um fornecedor que pretenda ampliar o valor entregue ao seu cliente.
As possibilidades são inúmeras.
Um mergulho mais amplo e profundo: o mapa dos desafios do cliente
O mapa de desafios do cliente abrange a ampla variedade de necessidades de um determinado grupo de clientes, em profundidade. Para isso, seguimos o método JTBD – Jobs to be Done.
Uma pesquisa JTBD completa tem duas grandes etapas: uma qualitativa e outra quantitativa. Na etapa qualitativa, nosso papel é levar as pessoas a contar suas histórias a respeito do desafio em questão e, principalmente, o que estão tentando alcançar. Definimos o nível do desafio em que pretendemos atuar e, a partir daí, buscamos o detalhamento de cada passo desse desafio. Aqui, nossa preocupação é com os fatos narrados e resultados esperados pelo cliente em cada uma dessas histórias.
Finalmente, na etapa quantitativa, buscamos obter os índices de satisfação e importância do executor do desafio (ou beneficiário da solução) em relação a esses resultados que ele espera alcançar. No final, os dados obtidos — os resultados esperados de maior importância e menor satisfação — nos dirão quais oportunidades devem ser exploradas, direcionando os esforços de inovação.
Os ganhos desse método vão muito além de defir elementos de valor. Com ele, conseguimos pensar a inovação de forma estratégica ao definir, antes mesmo de investir esforços em desenvolvimento, em qual direção seguir para obter sucesso no mercado.